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  • Consciência Negra: TRF5 promove seminário sobre raça e racismo no Brasil
    Última atualização: 07/12/2023 às 12:28:00



    Toda a força e importância do povo negro na construção da sociedade brasileira, questões raciais e os meios para ampliar a participação negra nos espaços de poder foram debatidos durante o evento “Consciência para Convergência: diálogos sobre a negritude no Brasil”, realizado na tarde da quarta-feira (06/12), na sede do Tribunal Regional Federal da 5ª Região - TRF5. A ação, inédita na Corte, reuniu professores, professoras, magistrados, magistradas, líderes de religião de matriz africana, servidores e servidoras. A ação, coordenada pela desembargadora federal Cibele Benevides, gestora do Pacto Nacional do Poder Judiciário pela Equidade Racial no TRF5, buscou ressaltar a importância do Pacto e fazer uma homenagem ao Dia Nacional de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, instituído pela Lei Federal nº 12.519/2011 e comemorado no último dia 20. 

    Cibele Benevides realizou a abertura do evento, provocando a plateia sobre a existência do racismo no Brasil. “Quem pode ser e se ver representando nas instituições do nosso país, nos espaços públicos de tomada de decisões? Os números mostram que a maioria dos parlamentares, líderes empresariais, políticos e magistrados, no Brasil, são pessoas brancas. Também na Academia, a maioria é branca. Muitas vezes esse racismo é algo silencioso, é silenciado quando é falado. Isso ocorre, muitas vezes, porque as experiências com o racismo colocam em risco o conforto da sociedade branca. Para evitar isso, retirar essa mordaça, simbolizada pela máscara da escravizada Anastácia, abrimos o TRF5 para criar esse evento, para ouvir, com lugar de fala, nossos convidados e convidadas”, pontuou.

    Racismo e as ações do CNJ

    Sob a mediação do assessor da Vice-Presidência, prof. Dr. Fernando Dantas, a roda de conversa iniciou com uma exposição da juíza federal Adriana Alves dos Santos Cruz, secretária-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e titular da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, que falou sobre “Os desafios para a equidade racial e o papel do CNJ”. Para a magistrada, nem sempre uma atitude racista é fácil de ser combatida. “Aquele racismo mais explícito, do xingamento, da agressão verbal, ou mesmo da agressão física, muitas vezes pode ser mais fácil de ser contrastado, porque ele é evidente. Mas aquele que se reproduz nas nossas práticas diárias, aqueles que se esconde nos impactos desproporcionais que normas pretensamente neutras causam em comunidades vulnerabilizadas, esse nos conclamam a um olhar e a uma atuação alerta e atenta”. 

    Adriana também pontuou algumas ações que o CNJ vem desenvolvendo nesse sentido, como a publicação de resoluções sobre o tema, o Pacto Nacional do Poder Judiciário pela Equidade Racial e os Observatórios de Direitos Humanos e das Causas de Grande Repercussão. “Vamos torcer para que, em um futuro breve, tenhamos um judiciário com uma paisagem diferente. E, mais do que uma paisagem diferente, produzindo uma resposta mais eficiente para a sociedade brasileira”. 

    Racismo estrutural e institucional

    A prof. Dra. Ciani Neves, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), seguiu com o debate, abordando o tema “A Importância do Combate ao Racismo nas Instituições e nas Políticas Públicas”. A importância de se reconhecer a existência dos racismos estrutural e institucional foi alvo da fala da docente, que classificou o tema como delicado. “O racismo é um tema espinhoso, porque é elemento constituinte da nossa estrutura social; está na base da sociedade e nos molda enquanto sociedade. A sociedade brasileira se organiza, se manifesta, se estrutura a partir do racismo como um sistema, por isso é estrutural. Também é estruturante, porque nos reserva lugares sociais”. Sobre o racismo institucional, a professora defendeu que “a prática aparece como um sistema generalizado de discriminações, escritas nos mecanismos rotineiros, assegurando a dominação e a inferiorização dos negros sem que haja a necessidade de teorizá-la ou justificá-la pela ciência”. 

    Ainda segundo Ciani, para que haja um processo de mudança nessas relações institucionais, é necessário a ocupação da esfera pública por novos sujeitos e que o processo de produção do conhecimento abrigue novas epistemologias, o que somente será possível a partir de um trabalho concreto de expansão de políticas públicas antirracistas para o interior do Poder Judiciário, para sua estrutura humana. Ela finalizou sugerindo ações que podem ser adotadas pelos tribunais, como a incorporação de raça como diretriz estratégica nos planos de ação, em todos os setores, visando a difundir a igualdade racial; produção de dados raciais para subsidiar as ações praticadas pela Corte e a criação de um comitê de igualdade racial. 

    Intolerância religiosa

    A intolerância religiosa também foi uma das questões debatidas no seminário. O babalorixá Pai Ivo de Xambá, primeiro negro a receber o título de Doutor Honoris Causa da UFPE, palestrou sobre “A cultura que emergem dos Terreiros de Candomblé na formação cultural do Brasil” e relembrou situações de preconceito vividas por ele, ao longo dos seus 70 anos, por seguir uma religião de matriz africana. “O racismo estrutural, além de destruir, você não esquece nunca. Eu fui criado numa casa de terreiro e era proibido crianças menores de idade no salão. Muitas vezes, fui para debaixo da cama, com medo (quando chegava a fiscalização). Então, a criança já nascia acreditando que estava descumprindo uma lei”. 

    O babalorixá destacou ainda a marginalização do povo negro. “Eu costumo dizer que o negro nesse país tem duas mortes: a física e a do esquecimento, porque são esquecidos no Brasil”, avaliou, fazendo, também, um apelo àqueles que fazem parte do sistema de Justiça: “Vocês que estão no Olimpo dos códigos pensem com sensibilidade sobre a questão do povo de terreiro. Vocês, desembargadores, juízes e advogados, não têm culpa do que aconteceu conosco (negros), mas vocês têm responsabilidade de mudar a situação que aí está. Não teremos uma sociedade mais justa se não tivermos uma sociedade igual”, finalizou. 

    Pacto Nacional do Poder Judiciário pela Equidade Racial 

    Encerrando a roda de conversa, a juíza federal Mara Lina, gestora do Pacto pela Equidade Racial no TRF da 1ª Região e titular da 14ª Vara Federal de Goiânia, realizou apresentação sobre o tema “Um panorama sobre o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial”. O Pacto consiste na adoção de programas, projetos e iniciativas em todos os segmentos da Justiça e em todos os graus de jurisdição, para combater e corrigir as desigualdades raciais, por meio de medidas afirmativas, compensatórias e reparatórias.

    Para ela, o racismo não diz respeito somente às pessoas negras. “Há uma ideia de que as pessoas negras é quem têm que lidar com o racismo e eu penso que se confunde essa história do lugar de fala com o `não quero tratar do racimo porque não sou negro e não tenho lugar de fala´. É muito importante ter uma pessoa branca à frente de um projeto como esse. Precisamos sim dessa atuação de pessoas brancas como aliadas nesse processo de enfrentamento ao racismo”. 

    Mara Lina acredita que o Pacto se soma ao sistema de cotas, cuja reserva é de 20% para as pessoas negras, e que as ações previstas farão diferença para o Judiciário, devendo abranger todos os que integram as Cortes. “Trazer todos os tribunais para trabalharem essa questão do Pacto é algo que serve para dar um respaldo para quem está trabalhando com a questão racial junto às suas próprias intuições. As ações precisam ser desenvolvidas não somente com juízes, mas, também, com servidores, estagiários, em uma formação que seja o mais plural possível. Sem letramento racial não há como avançar”. A magistrada apresentou, ainda, dados do Censo de 2013, que apontou que somente em 2027 seriam alcançados 22% de juízes negros no Judiciário Brasileiro. Hoje, são apenas 15%.

    Africanidades

    Ao final do evento, o público acompanhou a apresentação do Afoxé Omô Nilê Ogunjá, grupo cultural nascido no bairro do Ibura (Recife-PE), com a proposta de unir dança, música e percussão – reinvenção das tecnologias ancestrais de luta e enfrentamento antirracista – ao compromisso político de ocupar a comunidade e a cidade com beleza, narrativas e tradições de matriz africana.

    Um lanche com comidas afrodiaspóricas, preparado pelas mulheres pretas do restaurante Dun Ajeun, completou a programação.   

     

     


    Por: Divisão de Comunicação Social TRF5





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