Última atualização: 30/03/2020 às 17:41:00
Alteração de norma administrativa da União pelo Judiciário afronta o princípio da separação dos poderes e invade competência privativa do Governo Federal. Com esse entendimento, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 restaurou, na quinta-feira (26/03), a proibição de desembarque restrita a estrangeiros cuja origem seja de países indicados na Portaria nº 133/2020 da Casa Civil, no Aeroporto Internacional Pinto Martins, em Fortaleza (CE).
O desembargador federal Roberto Machado deu provimento ao pedido de efeito suspensivo no agravo de instrumento 0803026-93.2020.4.05.0000, interposto pela Advocacia Geral da União – AGU, revogando a decisão liminar da 4ª Vara Federal do Ceará, que havia ampliado a lista de países presentes na primeira norma que tratou do assunto, a Portaria nº126/2020 (revogada e atualizada pela Portaria nº 133/2020 ). Segundo a norma da União, em vigor em todo o território nacional, havia restrição excepcional de entrada no país, pela via aérea e por 30 dias, de estrangeiros oriundos de alguns países.
Na última sexta-feira (27), um dia após a decisão do TRF5, o Ministério da Justiça e Segurança Pública editou a Portaria nº 149 para restringir a entrada de estrangeiros no país, independentemente da nacionalidade, em trânsito internacional por via aérea, quando o país de destino ou de sua nacionalidade não admitir o seu ingresso via aérea, terrestre ou aquaviária. A norma, publicada em edição extra do Diário Oficial da União, complementa a Portaria Interministerial nº 133, publicada no dia 23 de março, que restringiu a entrada de estrangeiros de algumas nacionalidades no Brasil.
A decisão liminar cassada da 4ª Vara Federal/CE atendeu a pedido do Ministério Público Federal (MPF) e tinha incluído na restrição de desembarque em Fortaleza os estrangeiros oriundos de qualquer país que tivesse número oficial de infectados ou mortos pelo Novo Coronavírus (Sars-CoV-2) mais elevado do que os países listados na Portaria nº126/2020. Se houvesse o descumprimento da ordem judicial, o responsável pagaria multa de R$ 1 milhão, sem prejuízo de outras medidas de natureza civil, administrativa ou penal.
Segundo o desembargador federal Roberto Machado, a alteração de norma administrativa da União pelo Judiciário cria uma nítida invasão de competência privativa do Governo Federal, prevista no artigo 22 da Constituição Federal de 1988. "O Poder Judiciário não pode, ainda que na atual situação de pandemia, se lançar na condição de legislador positivo, conferindo alcance a Portaria nº 133/2020 além do que o texto da referida norma estabelece, para determinar providências administrativas, sob pena de afronta ao princípio da separação dos poderes, pilar do sistema republicano brasileiro. Assim, defiro o pedido de efeito suspensivo, determinando a imediata suspensão dos efeitos da decisão recorrida e restaurando a vigência da Portaria nº 133/2020, no que se refere especificamente ao Aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza", escreveu na decisão.
Editada pela Casa Civil em 19 de março, a Portaria nº126/2020 foi a primeira a restringir, pelo prazo de 30 dias, a entrada no Brasil, por via aérea, de estrangeiros provenientes de apenas países que estavam enfrentando a pandemia do Novo Coronavírus, nativos ou que estiveram nessas nações de passagem. A lista de países foi definida de acordo com estudo feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e não incluiu os Estados Unidos, com poucos casos à época da publicação da norma. Posteriormente, em 23 de março de 2020, a Casa Civil editou a Portaria nº 133, revogando a lista anterior.
Critérios Científicos - Segundo o desembargador federal Roberto Machado, o critério científico deve nortear as ações do Poder Executivo Federal para combater a pandemia em todo o território nacional. "Os esforços de todas as esferas de Poder (Legislativo, Executivo e Judiciário) se destinam ao combate do vírus e à adoção de medidas capazes de evitar a contaminação em massa da população. No entanto, no caso dos autos, as medidas devem ser tomadas pelo Poder Executivo federal com base em critérios científicos e aplicadas a todo o território nacional e não por critérios eleitos pelo Poder Judiciário para cada ente federado separadamente", destacou.
O magistrado ainda citou recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). "A propósito, como bem destacou o Ministro Marco Aurelio, na decisão proferida na data do dia 25 de março, na Medida Cautelar na Ação Direta de Constitucionalidade 6.343/DF, 'o momento é de crise aguda envolvendo a saúde pública. Tem-se política governamental nesse campo, com a peculiaridade de tudo recomendar o tratamento abrangente, o tratamento nacional', relatou Machado na decisão.
Processo
0803026-93.2020.4.05.0000 – Agravo de Instrumento da AGU